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Uma vez me perguntaram: “Os precipícios não o amedrontam?...” Respondi com outra pergunta: “O que sente quando vê um falcão em vôo?...” Ele respondeu: “Paz e plenitude!” Os seres alados jamais se amedrontam com as montanhas, paredões ou precipícios... tudo faz parte da sua trilha, do crepúsculo da alvorada ao poente... do dégradé do início da noite à poeira de estrelas da madrugada. Dizem que homens não podem voar... que o vôo é atributo dos pássaros. Provaremos aqui, em cada linha, que só não voa quem se elegeu eternamente ao patamar das lagartas... Este espaço, não é um convite ao vôo, mas o azimute para que encontre sua crisálida, para que vença o medo da escuridão e mergulhe nela. E no desvendar de si mesmo, possa então estilhaçar casulos e galgar os píncaros distantes da perfeição do próprio vôo. (2/04/2009)

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Minhas Crônicas - O Dom de Voar


Numa montanha muito distante, uma andorinha jovem passou a observar um dos pássaros do seu bando voar. Ele era ousado! Voava de forma desafiadora como se tivesse competindo com o vento. Podia riscar os céus em vôos vertiginosos e retornar às nuvens com uma facilidade inimaginável. Era tudo que o pequeno pássaro queria ser.
Sua mãe percebendo seu olhar de admiração e já imaginando o que passava por sua cabeça advertiu:
- Se afaste daquele pássaro! Ele é um péssimo exemplo para o bando.

Mas aquelas advertências o instigavam a exatamente o contrário. O tempo foi passando e ele continuava com o mesmo olhar de admiração para as acrobacias aéreas do velho pássaro. Certo dia tomou coragem e resolveu interpelar o velho Mestre Andorinhas, como alguns o chamavam, embora para os mais tradicionais ele não passasse de uma velha ave louca.

- O senhor poderia ser meu mestre de vôo?

- O que disse passarinho? – Interrogou o Mestre Andorinha meio assustado com a forma direta com que o pequeno pássaro lhe abordou.

- Não sou um passarinho! Sou uma andorinha quase pré-adolescente.

- Há, há, há... - Gargalhou sem conseguir se conter. – Sei, sei... “quase” pré-adolescente! Ou seja, um pirralho cheirando a clara de ovo!

- Eu sei que não sou muito crescido pra minha idade, mas sou muito inteligente e dedicado.

- Passarinho, procure outra coisa para fazer. Dedicar-se a arte do vôo é algo muito complexo e perigoso para os infantes. Você está na idade de arrastar penas com barbante ou saltitar de um lado para o outro em busca de pequenas formigas. Não tenho tempo a perder com você.

- Pois saiba de uma coisa, Mestre Andorinha: O senhor não nasceu sabendo! E eu tenho um objetivo. Se não pode me ajudar procurarei outro mestre, mesmo que seja de um outro bando, ou então vou tentar voar sozinho até aprender a fazer minhas próprias acrobacias, mesmo que tenha que me arrebentar sozinho por estas rochas.

- Você é mesmo muito insistente e teimoso! Vou estudar seu caso e se realmente for digno de ser meu discípulo, eu serei seu mestre.

- E como poderei provar se sou digno?

Foi então, que o Mestre Andorinha teve uma idéia malvada e um tanto cômoda, principalmente para seu estômago, que com os exaustivos treinos de vôo, não lhe sobrava muito tempo para o ritual convencional de caçada da comida, como faziam as andorinhas normais.

- Vejamos... Se você conseguir capturar trezentos insetos numa só noite e colocá-los na loca da minha árvore até o amanhecer já é um bom começo para iniciarmos as primeiras aulas de vôo.

- Trezentos?! – espantou-se o pequeno pássaro aspirante a discípulo.

- Se for uma tarefa muito árdua para você...

- Não, não, Mestre Andorinha. Eu consigo!

- Espero que sim! Para o bem do meu estomago amanhã – sussurrou em voz alta para si mesmo.

- Que disse, Mestre Andorinha?

- Que veremos como se sairá amanhã.

O pequeno pássaro se dedicou com todas as suas forças para buscar sucesso sua empreitada, antes mesmo das doze horas da noite já tinha caçado mais de cento e vinte e cinco insetos, mas ainda faltava muito para completar os trezentos que precisava para concluir sua missão. Às quatro da madrugada já havia conseguido capturar duzentos e quarenta e dois, mas começou a se preocupar, pois em pouco mais de uma hora os raios do sol começariam a despontar e ainda faltavam mais dezoito insetos a serem capturados para concluir sua tarefa. O pior de tudo é que todos os insetos pareciam ter se escondido. Quando tudo parecia estar perdido teve uma idéia louca. Sempre falavam que no precipício das almas uma infinidade de vaga-lumes voava pelos paredões, embora fosse muito perigoso, não lhe sobrara outra alternativa. Voou até lá e no seu primeiro mergulho capturou três vaga-lumes. Quando os pequenos insetos se deram conta do perigo, voaram nas mais diversas direções para se esconder. O pequeno pássaro num vôo vertiginoso tentou capturar o máximo de insetos brilhantes, mas no mergulho atingiu tamanha velocidade que não conseguiu controlar seu corpo em queda livre, atrapalhou-se com as penas, rodopiou no ar e terminou batendo com violência nos galhos duma árvore seca no fim do precipício. Vendo o desespero da pequena ave emaranhada nos cipós e com as penas encharcadas de sangue, um grande pássaro veio em seu auxílio. Libertou-o com todo cuidado do emaranhado de cipós, enxugou seu sangue com as próprias penas e deu algumas dicas ao jovem e inexperiente pássaro de como voar à noite.

- O que você estava tentando fazer, se matar, pequenino?

- Não. Este era o meu teste para ser aceito como discípulo do Mestre Andorinha. Eu tinha que capturar trezentos insetos em uma noite, mas pelo jeito fracassei. Já está quase amanhecendo.

- Trezentos insetos numa noite? Isso é uma prova muito rigorosa até para os mais experientes. Seu futuro mestre já conseguiu esta façanha?

- Não sei, mas eu cheguei bem perto, se não fosse minha ansiedade...

- Você não precisa provar nada pra ninguém! Diga ao seu mestre que a verdadeira perfeição está na qualidade do que se faz, e não na quantidade.

- Eu nem sequer cheguei a ter um mestre de vôo. Você parece que conhece tanto sobre o vôo... Quer ser meu mestre? – Perguntou na costumeira forma direta.

- Não posso ser seu mestre... ainda tenho muito o que aprender! Posso ser seu amigo, se quiser.

- Claro que quero! Você é uma águia?

- Não. Acho que sou um falcão!

- Acha? Você não tem certeza?

- Na vida, de nada temos certeza. Uma vez, vi um velho homem sábio dizer a um mais moço: “Tudo que sei é que nada sei...” e acho que isso é uma verdade. Há pouco tempo eu achava que era um galo, hoje acho que sou um falcão, amanhã, quem sabe?...

O falcão se despediu e alçou vôo. O pequeno pássaro chegou no bando contando sobre sua aventura com o falcão. Estava muito contente, conhecera um novo amigo que o havia feito acreditar mais em si mesmo. Sua mãe o repreendeu:
- Falcões comem andorinhas no café da manhã! Vê se acaba com essas idéias loucas de se misturar com quem não presta. Já basta este ai. – E apontou para o Mestre Andorinha.

- Concordo com sua mãe! Uma andorinha não deve se misturar com falcões. Desta vez você só teve arranhões, mas na próxima, ninguém sabe o que pode acontecer?

- Mas ele salvou minha vida, Mestre Andorinha.

- Se você insistir nisso, não serei mais seu mestre!

A mãe andorinha sorriu e pensou:
- Antes uma andorinha louca do que um falcão como mestre ou amigo. Onde já se viu, andorinhas andando com falcões!

- Mas você nunca foi meu mestre, e eu nem passei no seu teste.

- Digamos que sua mãe resolveu me dar uma ajudinha durante as refeições e eu resolvi te ajudar a voar melhor. Na verdade uma troca de favores, não é dona andorinha mãe?

- Exatamente meu filho. Pode tomar estas aulas de vôo com este maluc... digo, com este tal mestre!

O pequeno pássaro triste e cabisbaixo entocou-se numa árvore e de lá não saiu até o fim do dia. Algo parecia ter deixado de fazer sentido, talvez o Mestre Andorinha não fosse o idealista que ele havia imaginado. Se vender por algumas larvas e gafanhotos... Será que ainda valia a pena acreditar numa fraude? Será que todos os pássaros eram dissimulados no que faziam?

Passaram-se alguns dias e uma nuvem de gafanhotos apareceu na floresta. Foi uma festa, todas as andorinhas capturaram muitos insetos e encheram seus papos. O Mestre Andorinha nas suas acrobacias parecia não se cansar de se exibir na captura dos gafanhotos. Eram vôos vertiginosos a mais de cem quilômetros por hora, loops e giros extraordinários. Voou tão rápido e inventou tantas piruetas que terminou batendo na água do mar a quase cento e vinte quilômetros por hora. Quando se recuperou do choque, percebeu que estava totalmente encharcado, grudado na água pastosa do pântano. O pássaro lutava, lutava, mas não conseguia vencer a densa poça grudenta. Suas vistas já começavam a escurecer, e quando estava prestes a afogar-se, uma enorme ave o rebocou para o alto, segurando-o firme com suas garras.
Já na praia, colocou-o num lugar seguro. Todas as andorinhas voaram depressa para ver um falcão carregando o Mestre Andorinha.

- Muito obrigado você salvou minha vida! Não sei como agradecer...

- Não agradeça, a vida é um eterno dar e receber. Estamos neste mundo com um objetivo muito maior do que imaginamos. Quem sabe um dia você não possa me tirar de uma situação tão embaraçosa quanto esta a qual estava? Antes de mergulhar é necessário que observe estas manchas escuras no oceano, elas grudam em nossas penas e nos impedem de voltar a voar... - E o grande pássaro começou a explicar algumas precauções que se deve ter quando se voa sobre o oceano.

- Muito obrigado! Não esquecerei estas dicas... a propósito, você não quer ser meu mestre?

- Não posso ser seu mestre, pois ainda tenho muito o que aprender... posso ser seu amigo se quiser.

Neste momento chegou à praia a pequena andorinha e falou:
- Mestre Andorinha, este é o meu amigo falcão de quem lhe falei.

E como que surgindo do nada, uma galinha pousou bem perto deles e disse com um sorriso amistoso:
- Pronto para vôos mais ousados amigo Falcão?

- Só os ventos irão dizer, querida mestra – Respondeu com humildade o falcão, enquanto alçavam vôo em direção às longínquas nuvens.

O Mestre Andorinha estupefato arregalou os olhos sem nada entender e meio que revoltado, com um tom de desdém na voz, perguntou à pequena andorinha:
- O que pode um falcão aprender com uma galinha?

A pequena andorinha sorriu de forma enigmática olhando para os dois pequenos pontos voando no céu e respondeu com outra pergunta:
- O que podem andorinhas aprender com falcões?

Autor: Edson Pereira – 20/12/2001

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