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Uma vez me perguntaram: “Os precipícios não o amedrontam?...” Respondi com outra pergunta: “O que sente quando vê um falcão em vôo?...” Ele respondeu: “Paz e plenitude!” Os seres alados jamais se amedrontam com as montanhas, paredões ou precipícios... tudo faz parte da sua trilha, do crepúsculo da alvorada ao poente... do dégradé do início da noite à poeira de estrelas da madrugada. Dizem que homens não podem voar... que o vôo é atributo dos pássaros. Provaremos aqui, em cada linha, que só não voa quem se elegeu eternamente ao patamar das lagartas... Este espaço, não é um convite ao vôo, mas o azimute para que encontre sua crisálida, para que vença o medo da escuridão e mergulhe nela. E no desvendar de si mesmo, possa então estilhaçar casulos e galgar os píncaros distantes da perfeição do próprio vôo. (2/04/2009)

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Minhas Crônicas - Sobre Falcões e Galinhas


Numa grande fazenda havia uma robusta galinha que chocava seus ovos debaixo de um velho carvalho. Em uma noite de tempestade um galho da imensa árvore foi arrancado por um raio quase esmagando a pobre ave, que encharcada tentava proteger seus ovos do cortante frio. Sorte igual não teve alguma outra ave que com a queda do galho teve seu ninho totalmente destruído e todos os ovos esmagados. Todos com exceção de um. A galinha aproximou-se penalizada e puxou com o bico o único ovo que havia restado, protegendo-o no seu ninho junto com seus próprios ovos.
Em pouco tempo começaram a nascer os pintinhos: eram pintinhos pretos, amarelos e marrons. Porém um pequeno ovo retardatário ainda não tinha dado sinal de vida. A mãe galinha, no entanto, insistiu em permanecer no ninho e em três dias o retardatário nasceu. Era horrível! Totalmente depenado, cambaleante e de bico aberto pedia comida, bem diferente dos independentes pintinhos que já ciscavam desde o momento que pulavam dos ovos. Mas não demorou muito e o estranho pintinho também passou a ciscar junto com seus irmãos.
O filho do fazendeiro freqüentemente alimentava as galinhas, e tinha um carinho todo especial pelo estranho pintinho que parecia sempre menor que os outros pintos do galinheiro.
O tempo foi passando e o pequeno pinto, humilhado por todos do galinheiro e merecedor da piedade e proteção do filho do fazendeiro por sua fragilidade, se tornou a maior das aves daquele lugar. Seu estranho bico negro pontiagudo, suas enormes asas e suas imensas garras, faziam daquele pássaro o Galo mais exótico daquele terreiro.
Certo dia foi trazido ao galinheiro um premiado galo de briga, ao qual pretendiam reproduzir sua linhagem.
Galo metido a besta... humilhou e bateu em todos os galos do terreiro, que não tendo condições de desafiá-lo para um confronto, escondiam-se detrás dos arbustos e corriam aos pulos com a possível proximidade do garanhão.
Certo dia o galo metido resolveu ciscar pros lados da robusta galinha, mãe do nosso exótico pinto, ou seria melhor dizer, galo. A galinha não lhe deu a mínima atenção, empinou o nariz, digo, bico, e saiu andando com seu rebolado de desdém. Humilhado pela indiferença, o orgulhoso galo arrepiou seu penacho e começou a espancar a pobre galinha. Foi a maior gritaria no terreiro, todos se revoltaram mas ninguém fazia nada para proteger a pobre galinha que já estava mole de tanta pancada. Afinal, quem naquele galinheiro queria ficar no lugar dela. Foi ai, que o exótico pinto-galo, que permanecia sempre afastado do grupo por causa da discriminação, de cima do velho carvalho percebeu sua mãe-galinha em dificuldades. Dominado pela ira, projetou-se em vôo rasante cravando fundo as poderosas garras no peito do ex-imponente galo de briga, arrastando-o pelo ar e golpeando-o de diversas formas num acesso de fúria que deixou todo o galinheiro com olhar estupefato num misto de orgulho e pavor. Após alguns segundos, a carcaça do galo jazia inerte no meio do terreiro nadando no próprio sangue. A exótica ave voou para seu costumeiro galho e naquele dia, não ouviu mais nenhuma provocação, críticas e até os olhares eram disfarçados num misto de respeito e medo. Quando o filho do fazendeiro veio colocar a comida para as galinhas, imediatamente percebeu o corpo, ou o que sobrou do caríssimo galo de raça do seu pai estendido no meio do terreiro. O menino ainda correu até os restos da ave numa tentativa vã de salvá-la, mas percebeu que era inútil.
O exótico galo voou para o menino fazendo festa e pousou no seu ombro manchado sua camisa com o rubro sangue do precioso galo.

- Então foi você? E eu que pensei que fosse a ave mais indefesa deste galinheiro! Todos os galos te batiam, todas as galinhas te escorraçavam, e eu era seu protetor. Você é um pássaro muito mau! – E enxotou a grande ave.

Tomou nos braços o que sobrou do ex-galo de brigas e correu até a grande casa para mostrar ao pai o que havia acontecido com o seu reprodutor.

- O que houve com o meu galo?! Você o atropelou com o trator? – Esbravejou o pai.

- Não, pai! Parece que ele brigou com um dos nossos frangos. – Respondeu receoso o menino.

- Então você quer me dizer que um franguinho, nascido aqui mesmo no nosso galinheiro, iria ter condição de abater o campeão panamericano de briga de galo? – Falou em tom irônico o velho fazendeiro.

- O mais engraçado é que até bem pouco tempo, até as galinhas batiam nele. Não entendo como isso foi acontecer...

- Tem algo de errado nessa história... Leve-me agora até esse tal frango. – Falou o velho fazendeiro desconfiado.

Andaram até o terreiro onde as galinhas ciscavam, e lá estava ele, imponente no alto do carvalho. O menino ergueu o braço e a exótica ave alçou vôo pousando no ombro do menino protegido pelo jaleco de couro.

O velho fazendeiro arregalou os olhos e não conteve o espanto:
- Filho, filho... Me admiro muito que ainda tenhamos uma única galinha viva neste terreiro! Isto não é um frango hiper desenvolvido, é um falcão!!!

- Um falcão pai? Que legal!!! Podemos ficar com ele? Eu posso construir um grande viveiro só pra ele...

- Você gosta desta ave filho?

- Sempre gostei, desde que era um pintinho depenado em que todos batiam.

- Filho, este pássaro cresceu, e não é um pintinho, é um falcão! E um falcão será sempre um falcão, assim como uma galinha será sempre uma galinha. As galinhas precisam ciscar, assim como os falcões necessitam dos céus e da liberdade para sobreviver. Não maltrate esta ave fazendo dela o que ela não é.

- Mas pai ele gosta daqui! Foi criado junto com as galinhas e talvez até ache que é uma galinha.

- Será? Vou te mostrar que o que fala não é verdade.

O menino soltou o falcão e ambos passaram a observá-lo. Ele voou até a árvore e pousando no costumeiro galho, ficou lá durante horas. Seu olhar triste observava as galinhas brincando e ciscando à sua frente, o grande pássaro imóvel parecia não ter gosto pela vida.
O menino foi obrigado a concordar com o pai. E na manhã seguinte, antes mesmo do sol raiar, ele e seu pai, levaram o lindo galo, digo, falcão para o alto de uma colina, e erguendo o braço, o menino deixou que a majestosa ave alçasse vôo. O falcão voou bem alto, mas em seguida retornou ao ombro do menino, que com tímida lagrima escorrendo dos olhos argumentou com o pássaro:
- Você é uma ave dos céus, um falcão! E os falcões nasceram para viver livres. Não pode viver no chão, ciscando junto com as galinhas como se fosse um simples galo. Quando conhecer melhor as nuvens, descobrirá que seu mundo é bem maior que o galinheiro que viveu. E conhecerá muitas aves que o ensinarão coisas que nem em sonho eu imagino existir. Voe meu amigo, e aprenda a viver de verdade! Quem sabe um dia eu aprenda muitas coisas contigo...

O fazendeiro abraçou o filho, satisfeito com as sábias palavras do pequeno homem. E o menino novamente ergueu os braços, permitindo o vôo do grande falcão, que sumiu nos céus, indo juntar-se a uma outra ave que de longe não dava para definir a que espécie pertencia:
- Oi, o que faz uma galinha voando tão alto? – Perguntou o falcão a uma galinha que voava muito acima da mais alta montanha.

- Não sou uma galinha, sou uma águia! – Respondeu.

- Você é uma galinha! Passei a minha vida toda vivendo com galinhas num galinheiro, e sei muito bem reconhecer uma galinha quando vejo uma.

- Como um falcão pode ter vivido com galinhas num galinheiro? – Perguntou a galinha voadora.

- Não sou um falcão! Sou um galo!!! – Respondeu o falcão.

- E o que faz um galo voando tão alto? Os galos vivem na terra, ciscando. Nunca voando acima das montanhas...

- Não sei... dizem que sou um falcão e que preciso voar!

- Engraçado, você diz que sou uma galinha, que preciso ciscar em terra firme. Mas eu lhe digo que devo fazer o meu próprio caminho! Não importa se sou diferente dos meus, se me julgam, me discriminam e me rejeitam. Vou seguir meus próprios passos aprendendo a ser galinha e a ser águia do meu jeito.

- Se quiser posso te ensinar a ser galinha... – Falou o falcão.

- Se quiser posso te ensinar a ser falcão... – Falou a galinha.

E ambos seguiram pelos céus, aprendendo e errando um com o outro durante um longo tempo. Cada um deles respeitando o eterno milagre de ser o que se é.

Edson Pereira, Salvador-BA 22/12/2000

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